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25/01/21 Quando a tecnologia pode evitar abusos na aplicação da pena

As pesquisas com dados em matéria penal apresentam resultados para além da mera opinião. Em recente investigação empírica intitulada "Caleidoscópio Penal",[1] coordenada por pesquisadores do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foram sistematizados dados estatísticos de sentenças condenatórias proferidas nos últimos 13 anos pela Justiça Estadual do Rio Grande do Norte, com enfoque especial na aplicação de pena.

De forma paradoxal, os números revelados pela pesquisa "Caleidoscópio Penal" indicam proximidade com o discurso político e midiático de que há "bandidos a menos levando terror à população".[2] A pesquisa demonstrou que, a despeito do avanço do número de presos no Brasil[3] e, mais ainda, do "pensamento mágico"[4] que tem permeado as inúmeras reformas penais e processuais penais implementadas nas últimas décadas,[5] tendo em vista a média quantitativa e qualitativa da pena definitiva aplicadas no dataset estudado, as estatísticas indicam que os apenados não aparentam ser "criminosos perigosos e violentos, mas vulgares condenados por negócios com drogas, furto, roubo ou simples atentados à ordem pública".[6]

Nesse pórtico, há de ser destacado que, em mais de 70% das condenações, o regime inicial de cumprimento de pena imposto foi o aberto ou o semiaberto, cominado para crimes de pequena e de média gravidade, respectivamente. Além do mais, a agravante da reincidência foi aplicada em apenas em 14,5% das sentenças estudadas (IC95% = 10,47-20,47%).

Reforçando a paranoia coletiva do medo e da insegurança causados pela violência urbana, a qual se utiliza do Direito Penal, não raramente, como solo ratio para solucionar os conflitos sociais, a pesquisa expressa, de forma significativa, que o processo de criminalização em curso, ao que parece, ainda não conseguiu capturar  os bandidos perigosos do imaginário social. Isso porque, em 83% das sentenças pesquisadas, a pena definitiva fixada foi de reclusão. E, em metade desses casos, a quantidade média das penas aplicadas foi de até 1.200 dias, ou seja, inferiores a 4 anos de reclusão.

Levando-se em consideração que, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, caberia a proposição de acordo de não-persecução penal, havendo confissão formal da prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, verificou-se, ademais, que grande parte das ações penais que tiveram a pretensão processual acusatória julgada procedente não teria mais razão de ser. Realmente, não é representativa de surpresas a confirmação empírica da seletividade punitiva[7] ou, talvez, até mesmo, da patologia social denominada "aporofobia"[8] revelada na pesquisa "Caleidoscópio Penal": 70% da amostra estudada (IC95%: 65-75%) correspondem a condenações penais relacionadas a crimes patrimoniais, drogas e armas.

Como se sabe, há alguns anos, desde a Resolução CNMP 181/2017, que serviu de base para o texto novel artigo 28-A, introduzido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, crimes como furto simples, furto qualificado, posse, porte, transporte ou guarda de arma de uso proibido (Lei 10.823/2006) e, inclusive, tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada, admitem, em tese, acordo de não-persecução penal.

Sentenças analisadas de acordo com a classificação do tipo de crime 

Interessante, ainda, ser ressaltada que, ressai do conjunto de dados sistematizados  pela pesquisa, a presença de espaços de indeterminação, abstração e generalidade, em especial imprecisão conceitual,[9] como também de violação ao princípio da secularização e do ne bis in idem, pela renovação de valoração aos mesmos fatos, com algumas doses de arbitrariedade,[10] quando da individualização judicial da pena.

Por ocasião da análise das circunstâncias judiciais que mais influenciaram os magistrados na determinação da pena-base, ou seja, que foram mais condicionantes na gradação da pena, a pesquisa evidenciou que a valoração negativa da culpabilidade, em que pese se fazer presente em 32% das sentenças analisadas, nem sempre foi valorada em razão de "elementos concretos aptos a justificar a negativação de tal circunstância".[11] As demais circunstâncias judiciais de individualização da pena-base foram valoradas em percentuais que variaram de 12,7% a 22% das sentenças examinadas, conforme ilustrado adiante.

Percentual de sentenças com valoração das circunstâncias judiciais nas sentenças criminais

Da análise desses indicadores, sobressaiu a necessidade já indicada no PLS 236/2012, em trâmite no Senado, que cuida do projeto de reforma do Código Penal, no sentido de serem excluídas as circunstâncias judiciais subjetivas de individualização da pena, dado o constante abuso argumentativo.[12]

Nesse contexto, corroborando a imprescindibilidade de um maior grau de conformação do processo de aplicação de pena ao texto constitucional, são bem ilustrativas algumas valorações para o aumento da pena-base encontradas na pesquisa, tendo como substrato a circunstância judicial da conduta social, nos seguintes termos: "é reprovável, uma vez que o próprio acusado declarou, em seu interrogatório, ser usuário de drogas ilícitas"[13] e é desfavorável por possuir "vida desregrada". Seguindo a mesma tônica, ainda quanto à circunstância judicial da conduta social, como também da personalidade, foram observadas, verbi gratia, as seguintes decisões, respectivamente: "há registros que o acusado é acostumado a praticar crimes" e que o acusado "demonstra ser pessoa afeita à prática de crimes".

Por fim, como maneira de contribuir com o aprimoramento do processo de individualização da pena, por meio de maiores controles racionais e estabelecimento de critérios menos porosos, sugere-se o desenvolvimento de algoritmo de processamento de linguagem natural adaptável ao Processo Judicial eletrônico (PJe), de forma colaborativa, sem pretensão de substituir a interpretação dos fatos e do Direito pelo magistrado e na conformidade do §1º, do artigo 23 da Resolução 332/20, do CNJ.

Aliás, apresentamos projeto ao CNJ via UFRN e Univali. Com a modelagem, por ocasião da elaboração da sentença ou do acórdão, em cumprimento ao que dispõe o artigo 927 do CPC, a ferramenta de inteligência artificial mencionada poderia colaborar com o julgador, indicando-o se aquilo que é valorado como circunstância judicial para a fixação da pena (artigo 59, caput, do Código Penal) estaria em conformidade ou em desconformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Seria uma forma de contenção aos abusos. Enfim, o mundo da tecnologia pode auxiliar[14], em muito, diante da constatação dos reiterados abusos verificados no contexto da pesquisa indicada.

(Alexandre Morais da Rosa, Juiz de Direito em SC, doutor em Direito e professor de Direito Penal).

(publicado na Revista Consultor Jurídico - www.conjur.com.br).

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